PADRE D. ANTÓNIO BARROSO (1881 -1888)

                                                         RECONSTRUÇÃO DA MISSÃO DE S. SALVADOR- CONGO


A partir de 1718, os vários conflitos tribais as sucessivas disputas na sucessão ao poder, invasões estrangeiras, a seca e a fome, levaram a várias décadas de guerras civis intermitentes por cerca de 55 anos. A capital do Kongo, São Salvador, foi destruída e empobrecida, os campos de agricultura incendiados. 
Os missionários que restavam no Kongo fugiram, outros foram assassinados. As igrejas católicas construídas por portugueses estavam destruídas e em ruínas. Estes acontecimentos levaram o Reino de Portugal pura e simplesmente a desinteressar-se e a abandonar o Kongoquer Política quer religiosamente, por mais de 160 anos.
A partir de 1718, os relatórios de missionários são escassos, porque estes foram cada vez mais escassos no Kongo. A falta de missionários e padres portugueses, deve-se à natural relutância dos capuchinhos e do Reino de Portugal em enviar mais gente ao “Matadouro”. Os indígenas voltaram aos seus rituais gentios de feitiçarias e demónios, e acentua-se a decadência do Kongo. Só em 1881 se restaurou a missão de S. Salvador do Kongo, que foi entregue ao grande missionário  Padre António José de Sousa Barroso, que mais tarde veio a ser bispo do Porto.

A Coroa de Portugal, uma vez  mais, foi em ajuda do Kongo que se encontrava totalmente destruído e sem rastos de evangelização. Para esta tarefa complicada, a pessoa escolhida foi o jovem missionário António José de Sousa Barroso. 
A 5 de Agosto de 1880, um ano após a ordenação, o Padre António José de Sousa Barroso embarcou no vapor Zaire para Angola, juntamente com outros padres, e na companhia do discípulo de S. Francisco, D. José Sebastião de Almeida Neto, ordenado novo bispo da diocese de Angola e Kongo (1879-1883). 


                                                                                
                                                                    Padre António José de Sousa Barroso em 1880
 à partida para Angola/Congo.


                                                                                    Vapor Zaire.

Uma vez chegado a Angola, o novo prelado D. José Sebastião de Almeida Neto, que já durante a viagem fizera o Padre António Barroso seu confessor e confidente, nomeou-o a 2 de Outubro de 1880, pároco encomendado da freguesia de Nossa Senhora do Cabo, na Ilha de Loanda, enquanto aguardava que se organizasse a expedição missionária para o Kongo. 

 Ilha de Loanda, Igreja de Nossa Senhora do Cabo, foi o primeiro posto de trabalho do Pe. António Barroso. Em 2-10-1880 foi nomeado pároco da freguesia de Nossa Senhora do Cabo, e em 12-10-1880 professor de instrução primária da Ilha.



A 20 de Janeiro de 1881, a canhoneira Bengo zarpou de Loanda para o Kongo, carregando a bordo a expedição missionária: o Padre António José de Sousa Barroso, superior da Missão; Sebastião José Pereira e Joaquim de Jesus da Anunciação Folga, seus colegas de Cernache (Coimbra) que seguiam como sacerdotes auxiliares; um guarda-marinha, um oficial-secretário, o capitão Barreto Mena e três ordenanças; 

além de dois carpinteiros «adidos» à missão; dois ajudantes; dois pedreiros pretos, sem ferramentas, completavam o pessoal da expedição!  E como material dois quilos de pregaria!
A missão do Padre António Barroso estava claramente definida no documento, com data de 19 de Janeiro, que em Loanda lhe entregara confidencialmente, o Governador de Angola, António Eleutério Dantas (1880 a 1882).
Três dias depois, a 23 de Janeiro, a expedição chega a Nóqui, na margem esquerda do rio Zaire, seguida de uma longa espera pelos carregadores que o soba do Kongo prometera mandar, para transportarem os diversos utensílios para a missão a instalar e os objectos de uso pessoal dos missionários. 
«Sabendo que em Boma, — onde chegaram às cinco horas da tarde de 23 — estavam dois missionários franceses, pertencentes à florescente Missão de Lândana, fomos visitá-los, sendo acompanhados pelo ilustre Comandante da «Bengo». Disseram-nos, entre outras coisas, que na escola que ali estabeleceram, contavam apenas vinte e um alunos, na máxima parte mandados pelos europeus, residentes naquela localidade. Que na ocasião em que organizaram aquela Missão, há perto de um ano, os pretos vieram trazer-lhes os seus objectos de comércio».
Os missionários portugueses foram recebidos pelo soba na casa da sua residência, adornada esta com profusão de estofos e veludos; assistia a esta recepção grande quantidade de povo, sentado no chão, em círculo, em um largo que antecede a casa.

                                                                                               Missão em Boma.

                                                 
Só a 8 de Fevereiro de 1881 puderam partir dali, a pé, para S. Salvador. Foi uma marcha lenta e cheia de peripécias, a uma média de sete horas por dia. Para  chegar a São Salvador, o Padre António Barroso teve de fazer 150 Km a pé, desde Nóqui. Chegou pelas 11.30 do dia 13 de Fevereiro de 1881.
«No dia treze de manhã acampámos em um ponto do caminho, já próximo da cidade de São Salvador, e depois da indispensável demora neste ponto e de ter expedido um portador participando ao soba do Congo a chegada dos missionários fizemos a nossa entrada pelas onze horas e meia da manhã. Demos a palavra ao capitão Barreto Mena, que assim dá conta da recepção, no seu Relatório ao Governador-Geral. 
Portador de uma carta dada pelo Rei D. Luís I, nos Paços da Ajuda, foi recebido pelo soba do Kongo, Pedro Ntotela Ntinu "Elello", na sua  residência, logo à chegada, em 1881, ano em que o Padre António José de Sousa Barroso ali iniciou a sua actividade evangelizadora. 

Para compreender o espírito com que aos 26 anos, o Padre António Barroso entrou no Kongo, há que ter presente, antes de mais, que aquele território estava totalmente votado ao abandono, até meados daquele séc. XIX, tal como foi encontrado por Diogo Cam, em estado selvagem, devastado pelas guerras tribais e empobrecido. 

Em Loanda, não havia informação actualizada sobre São Salvador, capital do Kongo. E foi dali que, a 20 de Janeiro de 1881 partiu o missionário António Barroso, com reduzida informação e parcos meios. Na viagem inaugural dramática, de 150 quilómetros a pé, para chegar ao campo de trabalho, o jovem padre tinha consciência da grandiosidade e da responsabilidade da sua missão. Afinal, ele e a sua equipa iam continuar a grande obra dos dominicanos (1490), dos cónegos de S. João Evangelista (1505), dos jesuítas (1548), dos carmelitas descalços (1854), dos capuchinhos (1778) e do clero secular que noutras épocas por ali se tinham fixado, onde muitos foram assassinados, e muitos outros acabaram por ter que fugir. 


Esta imagem pode dar uma ideia do caminho percorrido durante 150Km
pelo  Padre António Barroso e seus auxiliares na missão ao Kongo.


À sua chegada ao Kongo, o Padre António Barroso encontrara implantada no terreno uma poderosa missão protestante inglesa, dispondo de muitos meios e usando uma forte propaganda desnacionalizadora, o que muito o irritava, como grande patriota que se orgulhava de ser. A religião, como acima se refere, era considerada um elemento civilizador de primeira importância e a Sociedade Bíblica de Londres visava a penetração e alargamento da esfera de influência política e comercial da Grã-Bretanha no Kongo. 
Inexperiente, o Padre António Barroso teve de enfrentar sozinho esta situação difícil, porque o soba do Kongo, Pedro  Ntotela Ntinu, fazia jogo duplo com os ingleses.

 À sua chegada encontrou ainda as ruínas das antigas igrejas, as 12 Igrejas construídas pelos portugueses estavam destruídas, mas já não se justificava a sua recuperação. 
Das antigas residências dos portugueses, da Igreja da Santa Cruz (mais tarde elevada a Catedral de Santa Maria), e das Igrejas de S. Miguel, de N.ª Sra. da Conceição, de S. Tiago, de N.ª Sra. do Rosário, de S. João Baptista, de S. José, do Espírito Santo, dos Jesuítas, dos Capuchinhos, da Misericórdia, só restavam ruínas, amontoados de blocos e muito capim a cobri-los. Da acção dessa Igreja que em tempos parecera florescente, eram raros os vestígios.
A reflexão que o Padre António Barroso fez sobre os escombros das igrejas ali desmoronadas perante os seus olhos, foi determinante para a sua acção futura. 
Escreveu a propósito: «tudo passara como as chuvas torrenciais, que apenas humedecem a primeira camada, deixando o subsolo ressequido e estéril». 
Apesar da grandiosidade da missão de que iam incumbidos, depois daqueles dias atribulados de viagem, não encontraram instalações de qualquer espécie onde se pudessem abrigar. Desconforto total. Era tempo de chuvas e viveram em cubatas encharcadas. Passaram aqueles primeiros meses, doentes e mal alimentados. O médico dos três era ele próprio, como referiu ao seu bispo. Na época, era soba regedor do Kongo, Pedro Ntotela Ntinu "Elello", vivia e agia como um vulgar chefe tribal, e o seu "palácio" era uma paliçada ao centro de um aglomerado de cubatas. O soba Pedro Ntotela Ntinu,  entre os seus era conhecido por Elello (o rei dos Panos).  


                                                                  O soba do Kongo, Pedro Ntotela Ntinu "Elello".

                                        A  propósito, o Padre António José de Sousa Barroso escreveu:
«Quando em 13 de Fevereiro entrava no lugar da antiga cidade com os meus companheiros, tudo quanto nos rodeava era espantoso, indefinível, desanimador». 
Uma cena surrealista, diria hoje o Padre António Barroso. O soba Pedro Ntotela Ntinu,
sentado no seu "trono" rodeado de uma burlesca corte, ouviu ler a carta dada pelo Rei de Portugal D. Luís I, nos Paços da Ajuda e de que fora portador o Padre António Barroso.


O Rei D. Luís I convidava o soba do Kongo a «prestar à missão católica que se ia estabelecer em seus estados, todos os auxílios morais e materiais possíveis, para que, assim coadjuvada, ela pudesse desenvolver a sua actividade e produzir os resultados que, com justo título, se podiam esperar».

O Padre António Barroso, como elemento do Padroado, levava do Governador de Angola instruções sobre a melhor forma de actuar. Preocupou-se, desde o início, com captar a benevolência do soba regedor, actuando de acordo com as instruções recebidas, e por se aperceber da importância do apoio para o desenvolvimento do projecto missionário que tinha em mãos. 
Trabalhar em profundidade, passou a ser uma das suas preocupações. Havia levado consigo de Loanda dois carpinteiros, alguns quilos de pregos e dois ajudantes pretos que faziam de pedreiros mas que não dispunham de ferramenta. Revelando enorme capacidade de trabalho e de organização, e alguns conhecimentos que herdara da adolescência vivida ao lado do pai, carpinteiro, o Padre  Antonio Barroso rapidamente construiu uma residência em madeira – construção que ele próprio dirigiu – e ao lado desta levantou uma capela, uma escola, um pequeno hospital, um observatório meteorológico (1883), as suas observações meteorológicas, sempre pontuais, passaram a ser muito apreciadas em Loanda, e uma pequena fazenda que funcionava como escola de trabalhos agrícolas e que fornecia vegetais, legumes e frutos para alunos catecúmenos, e demais pessoal da missão. 
Recrutou na própria escola da missão, entre os alunos mais adiantados e mais capazes, elementos para estabelecer centros de catequese, nas aldeias mais afastadas e que ele «a cada passo visitava, á custa de canceiras que só o seu porte de athleta podia aguentar».                                   
                                                                        D. António José de Sousa Barroso.                                                                        

A Igreja de Santa Cruz, foi edificada em Maio e Julho de 1491, sendo Gonçalo de Sousa, quem, a 3 de Maio de 1491, lançou a pedra fundamental da igreja de Santa Cruz em Embasse, dedicada a Jesus, o Salvador, foi a primeira Igreja Católica construída no Hemisfério Sul, elevada a Sé Catedral em 1534, e também a sede da primeira Diocese da África Austral, quando em 1596 o Papa Clemente VIII criou o Bispado de Angola e Congo. Em 1492 o soba regente Nkuwu Nzinga, tendo adquirido por baptismo o nome, João I do Congo, renomeou M'Banza Congo, com nome São Salvador.

 A igreja da Santa Cruz,  
                                                      foi encontrada assim à chegada do Padre António Barroso.                                                                                   
                 A primeira Igreja Católica, de pau a pique coberta de colmo,  
construída pelo Padre António Barroso, situada junto da casa da missão. 
Sobre a Igreja o Padre António Barroso disse:
“esta pobre, mas decente, nao fica mal que ella esteja despida de adornos”. 
       

A Igreja Católica da Missão em  S. Salvador inaugurada 
a 5 de Novembro de 1854.
Vista geral da Missão de São Salvador.

 Casa  da Missão Católica em S. Salvador, 1888.
                                                                         Vista geral da Missão de São Salvador,
 fundada pelo padre António Barroso, superior desta Missão, 
de 28-12-1881 a 14-09-1888.
                       
       Placa dedicada ao Pe.António Barroso, na Missão em S. Salvador, 
  data da homenagem 31-8-1918.

Os Padres António Barroso e Sebastião Pereira, em 1881, ano da fundação da Missão de São Salvador do Congo, com Álvaro Tangue, Nicolau Diungo e Álvaro Mascapai, dois filhos e um sobrinho do Soba Pedro Ntotela Ntinu "Elello".
Esta fotografia serviu de base ao trabalho em painel de azulejos da Fábrica Aleluia, 1937, que se encontra no átrio de entrada do Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim.

D. António Barroso.

O Padre  António Barroso recrutou na própria escola da missão, entre os alunos mais adiantados e mais capazes, elementos para estabelecer centros de catequese, nas aldeias mais afastadas e que ele «a cada passo visitava, á custa de canceiras que só o seu porte físico de athleta podia aguentar».
Além dos trabalhos de construção, essenciais ao arranque da Missão, tratou de efectuar viagens missionárias ao Bembe (1883) e ao Zombo (1886), e fundou a missão sucursal de Marimba (1884-1885). 
O primeiro grande relatório que escreveu – Viagem ao Bembe – está datado de 20 de Janeiro de 1884. Esta sua viagem promoveu um desenvolvimento significativo das relações comerciais na região do Kongo. Fez também uma excursão a Macuta e estudou a bacia hidrográfica dos rios Quilo (no Ambriz) e Luando (afluente do rio Cuanza). 
Sobre o seu trabalho realizado, escreveu uma série de relatórios, alguns dos quais ficaram célebres, nomeadamente o de 1881 sobre o estado do Kongo, o de 1884 sobre a viagem ao Bembe, e o de 1886 sobre a viagem ao Zombo. É nesta viagem que o jovem missionário, Antonio Barroso,  face aos sinais de abandono que encontra, escreve: 
«Nunca a cruz mutilada de Alexandre Herculano me pareceu mais bella e verdadeira».

No termo de oito anos de serviço efectivo, como qualquer missionário, teve direito a gozar um ano de licença, que lhe foi concedida em 13 de Setembro de 1888, embarcando no dia seguinte para o Reino de Portugal. Em meados de Novembro estava em Lisboa, para se restabelecer da saúde.

                                                                        
 ANGOLA PORTUGUESA PRESTOU, ASSIM, HOMENAGEM 
A ESTE ESTRAORDINÁRIO E CORAJOSO  SACERDOTE
             Nota de 10 angolares, emitida em 1-6-1947.
 Verso da nota de 10 angolares, emitida em 1-6-1947.

Luanda-1968, Av. António Barroso, na Maianga,
em homenagem ao Pe. António Barroso.
                   
Cernache do Bonjardim, 1891. D. António Barroso em cerimónia 
de despedida de um grupo de missionários.


D. António Barroso: missionário, cientista, missiólogo,  é o mais conhecido dos 317 missionários que receberam a sua formação no Colégio das Missões Ultramarinas, entre 1856, ano da fundação da instituição, e 1911, altura em que a República a encerrou. 
A sua acção foi meritória em todos os aspectos. Além dos seus trabalhos de evangelização, que foram importantes, contrariou a acção desnacionalizadora da missão protestante inglesa que antes ali se tinha instalado e que pretendia apagar os vestígios ainda bem vivos da influência portuguesa e o prestígio do nome de Portugal. 
O Padre António José de Sousa Barroso fomentou, além disso, a ocupação comercial de S. Salvador, convencendo alguns comerciantes dos portos fluviais do Zaire a montarem ali algumas feitorias.






O collegio das missões em Cernache do Bom Jardim, Imprensa Nacional: Lisboa, 1905, p. 101. D. ANTÓNIO BARROSO (1854-1918): MISSIONÁRIO REFORMADOR 231.

26 Cf. Braz, P. S. O., op. cit., p. 22. 27 In Cunha, A., op. cit., p. 56. 28 Cf. Teixeira, C. S., O collegio das missões em Sernache do Bom Jardim, Imprensa Nacional: 
Lisboa, 1905, p. 101. D. ANTÓNIO BARROSO (1854-1918): MISSIONÁRIO REFORMADOR 231.